quarta-feira, 12 de junho de 2013

NAMORO OU UNIÃO ESTÁVEL?


Hodiernamente o namoro tem assumido novas configurações o que o torna cada vez mais parecido com a união estável, que foi reconhecida para proteger as relações familiares não formalizadas pelo casamento. Essa semelhança pode vir a causar dificuldade na aplicação das Leis. O tema é interessante e, não por coincidência, a data de hoje foi crucial para sua a escolha 


Na semana passada me atentei para uma notícia muito intrigante que tinha a seguinte manchete: 

Juiz obriga ex-namorado a pagar pensão por causa do status do Facebook 

Logo percebi que havia algo errado, pois os reflexos patrimoniais de um relacionamento apenas se aplicam na união estável e no casamento. Até então não existe diploma legal que preveja tais direitos societários ou de obrigação de prestar alimentos para o namoro.

Após ler a reportagem que falava sobre a decisão do juiz Antonio Nicolau Barbosa Sobrinho da 2ª Vara de Família da Comarca da capital paraense proferida em 31/05/13, percebi que, na verdade, não se tratava da concessão de pensão alimentícia e da meação de bem comum para ex namorada, mas sim para ex companheira. 

De acordo com a nota, a Autora havia requerido na justiça que seu ex companheiro lhe pagasse pensão alimentícia, bem como requeria a propriedade de metade do carro que ele havia comprado durante a constância da relação.

Na decisão, o magistrado teria entendido que o casal tinha um relacionamento de união estável, usando como base fotos deles dividindo a mesma cama, chamamentos como “minha mulher” e principalmente o status da rede social (facebook), que dizia: “está em um relacionamento sério”. O jurista teria fundamentado que o termo “relacionamento sério” refere-se a relações duradouras e com objetivo de constituir família - características da união estável.

Vocês não devem estar entendendo o porquê do uso do futuro do pretérito, então eu vou explicar: acontece que tudo não passou de suposições, para melhor dizer, as informações veiculadas foram falsas. 

Porque segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Pará tal fato nunca ocorreu, e nem sequer o juiz mencionado atua na capital do Estado, e que quem atua na 2ª Vara da Família de Belém, comarca da Capital, é a juíza Elvina Gemaque Taveira, há mais de cinco anos, a qual classificou a postagem como uma “piada de mau gosto”, uma vez que uma decisão judicial se baseia em provas oficiais e documentais, e não oficiosas e falaciosas. (Fonte: Site oficial do Tribunal de Justiça do Pará)

No entanto eu já estava muito envolvida com o tema e decidi persistir na minha pesquisa. Então continuei analisando os aspectos da notícia, supondo que eles poderiam mesmo ter ocorrido, até porque o magistrado tem o poder discricionário, tendo liberdade para proferir suas decisões conforme seu entendimento, sempre as motivando, é claro.

O assunto é interessante, pois em casos como o abordado, seria sim muito complicado chegar-se a uma conclusão exata sobre o tipo de relacionamento existente entre o casal, porque namoro e união estável são, hoje, institutos que apresentam características muito semelhantes, entre elas a de reproduzirem um relacionamento sério.

É evidente que o conceito de relacionamento sério é muito amplo e até pessoal, e não necessariamente o douto magistrado poderia basear-se apenas neste termo para arbitrar pagamento de pensão à Autora, com o entendimento de que ele por si só consiste numa união estável. Mesmo porque muitos namoros representam para as partes e para os que convivem com elas um relacionamento sério, baseado em deveres de respeito, lealdade e companheirismo.

No entanto, apesar das semelhanças que há entre eles na prática, no campo jurídico eles têm uma grande diferença e geram diferentes efeitos: a constituição de direitos de família, que só acontece na união estável. Por isso, vamos falar um pouco sobre ela.

Primeiramente, vale ressaltar que as leis sempre devem acompanhar as mudanças sociais, do contrário elas perdem o seu sentido, que é possibilitar o convívio social mediante o estabelecimento de direitos e deveres para cada indivíduo. 

Além do que, com Leis estáticas, novas situações ficariam desamparadas pelo Poder Judiciário, que sem as normas não podem decidir os conflitos que são propostos na justiça, por falta de embasamentos legais que motivem as decisões.

No passado o casamento subsistia como única forma de constituição familiar que merecia o respeito social e legal.

Com o passar do tempo, novas situações sociais foram surgindo. Isso porque a mulher que vivia para cuidar da casa e da família e que dependia do marido para sobreviver passou a trabalhar fora de casa e a ter maior autonomia financeira, o que lhe deu maior liberdade para decidir se desejava permanecer no casamento ou se preferia romper o vínculo. 

Com os rompimentos que ocorriam na prática, outros institutos jurídicos foram surgindo, entre eles o divórcio, instituído pela Lei 6.515 de 13/07/1977. E a possibilidade de desfazer a união com amparo da Lei acabou fragilizando a instituição do casamento. 

Também, o distanciamento da religiosidade foi um ponto importante para isso, pois o conceito de “Até que a morte os separe” foi relativizado pela sociedade.

Assim, muitas pessoas que já haviam sido casadas passaram apenas a viverem junto de novos companheiros(as), o que também se tornou comum na vida dos que não tinham certeza sobre a formalização do vínculo, mas pretendia continuar em convívio constante e também dos que não possuíam condições financeiras para celebrar o casamento.

Diante disso o legislador percebeu a necessidade de proteger a família constituída por meio de uma união entre homem e mulher que demonstrasse uma estabilidade, e que muitas vezes já tinham filhos concebidos da união e a co-habitação, e por isso consagrou o instituto da união estável, regulamentada em 10/05/1996, pela Lei nº 9.278.

De lá para cá, o instituto só veio ganhando força na esfera jurídica e mais adeptos, e hoje, um grande número de famílias são constituídas pela união estável. A qual também reconhecida entre pessoas do mesmo sexo pelo STF, que declarou procedente a Ação Direta de Inconstitucinalidade (ADin) nº 4.277, julgada em 5 de Maio de 2011. (Inteiro teor: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635)

Enquanto o instituto da união estável passava a ser reconhecido no mundo do Direito brasileiro, o namoro sofria inúmeras transformações. 

Intimidades entre namorados antes inadmissíveis, passaram a ser aceitas e, não só foram aceitas como passaram a figurar como característica desse tipo de relacionamento. Por isso, atualmente muitos casais de namorados possuem o hábito de dormirem juntos, geralmente na mesma casa.

É obvio que existem relações bastante descomprometidas, mas namoros mais sérios, que envolvem grande proximidade entre as partes podem ser facilmente confundidos com uma união estável, o que inclusive pode vir a gerar aberrações jurídicas ou decisões injustas como a que a notícia veiculou.

Então como diferenciar o namoro da união estável?

Primeiramente há que se dizer que cada instituto tem requisitos próprios e que por isso não cabe ao casal batizar qual o tipo de relação que possuem, mas caberá ao Estado determinar e caso presentes todos os requisitos emergirão os direitos e obrigações às partes envolvidas dos Direitos de Família, independentemente de sua vontade.

A união estável exige os seguintes requisitos para ser configurada: convivência pública (publicidade); convivência contínua (continuidade) e duradoura (lapso temporal capaz de configurar o ânimo de constituir família); e intenção de constituir família, pelo que dispõe o artigo 1.723 do Código Civil.

Ressalta-se ainda que a Lei não estabeleceu a necessidade da co-habitação e que também não fixou lapso temporal para que seja constada a união estável.

O namoro também pressupõe publicidade, durabilidade e continuidade. Portanto, é justamente o intuito de constituição de família que não se faz presente nesta espécie de relação afetiva. E, caso presente esteja, concluirá o Estado que há uma verdadeira união estável, e não mais um namoro.

O casal de namorados compartilha momentos de intimidade, anseios, alegrias e tristezas cotidianas.  E, apesar de projetarem a relação de afeto em um futuro próximo, testando, assim, a viabilidade prática de evoluir para um noivado, casamento ou uma união estável, entre eles não existe a genuína comunhão de vidas, de projetos, de planos, de interesses familiares. 

"Namorados aparecem juntos em festas, fotos, viagens, eventos sociais e geralmente frequentam um a família do outro, perifericamente. O afeto os envolve, mas não há, neste estágio, concretude maior conferida ao projeto conjunto de formação de uma família. 

De outro lado, na união estável, a família está formada. Não se planeja, se constata. Há a formação de um novo núcleo familiar, mediante objetivos comuns, concessões mútuas e abdicações de projetos individuais antigos, já que não consonantes aos da união. Ou seja, o nível de comprometimento de uma vida à outra é que será fator crucial para que surja uma sociedade de fato entre as partes." (Por Cristiana Sanchez Gomes Ferreira, advogada (OAB/RS nº 80.461)

Acontece que mesmo tendo isso claro e bem explicado ainda podem surgir dúvidas e controvérsias por parte do Estado (julgador). Pois, em suma, o que difere o namoro da união estável é a intenção das partes.

Eis aí o grande problema. Pois há uma linha muito tênue entre “o querer estar junto no futuro” do namoro e “o ter planos juntos” da união estável, já que em juízo são fatores extremamente subjetivos e que podem ser questionados pelas partes envolvidas que passem a ter interesses patrimoniais. 

Enfim, é muito difícil que o Estado consiga rotular o tipo de relacionamento amoroso que há entre um casal que o discute em juízo.

Bom, o mais seguro a ser feito por aqueles que pretendam ter um relacionamento amoroso sério e que perdure, mas que não desejam sujeitar-se à comunicação patrimonial, é formalizar uma declaração da existência da união estável, caso exista ou possa ser assim entendida, e a eleição, por exemplo, de um regime de bens tal como o da separação total, já que na união estável, que é equiparada ao casamento pela Constituição Federal,  vigora o regime de separação parcial de bens.



Ps: Dedico o presente à Maylson Guimarães!

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